"Desapegue-se"
Certo dia vi uma mendiga nas ruas, arrastando
encurvada, grandes sacos-de-lixo com seus pertences. Mediante a cena pensei: se
fossemos ver o que continham nestes sacos-de-lixo, provavelmente não tiraríamos
dali nada que se aproveitasse para nós, porém para aquela pessoa, aqueles sacos
resumiam todos os seus valores, todas as suas lembranças e as suas necessidades
estavam contidas neles. Quantas vezes não agimos da mesma forma que aquela
pessoa, como mendigos, nós continuamos arrastando pela vida nossos
sacos-de-lixo, recheados de coisas desnecessárias.
Passamos grande parte de nossas vidas trabalhando
exaustivamente para acumularmos recursos, para comprar mais coisas para
acumularmos infinitamente. Acumulamos de tudo: roupas, objetos, livros, CDs,
carros, casas, cursos, pessoas, conhecimentos ... tudo que é externo à nós. Mas
a cada aquisição se segue nova frustração. Porque as coisas externas, os
objetos e até mesmo o conhecimento adquirido não capazes de preencher o grande
vazio que trazemos dentro de nós. É como se estivéssemos enchendo um saco sem
fundo. Quanto mais tentamos enche-lo, mais ele se esvazia. Então nos apressamos
tentando enchê-lo cada vez mais rápido, antes de que ele possa se esvaziar e
nos desgastamos cada vez mais rápido, numa atitude repetitiva e hipnótica.
Quanto mais repetimos, mais necessidade sentimos, a repetição nos hipnotiza.
Ficamos escravizados a este ciclo interminável. Este saco sem fundo se chama
"desejo". E a natureza do desejo é permanecer insatisfeita.
Observemos os nossos desejos mais simples, como por
exemplo: saciar a fome. A fome é um desejo, quando nos alimentamos, saciamos o
desejo, mas apenas temporariamente, para mais tarde o apetite voltar cada vez
mais voraz. Quanto mais alimento ingerirmos na intenção de satisfazermos
definitivamente a nossa fome, mais faminto ficaremos quando a fome voltar.
Quanto mais praticamos a satisfação de nossos desejos, mais longe ficamos da
real satisfação.
Acreditamos que se nos empenharmos em adquirir
maiores conhecimentos, nos tornaremos capazes de saciar, não só o nosso desejo,
como também o do próximo. Se adquiríssemos todo o conhecimento do mundo, isto
não faria de nós seres iluminados, o conhecimento é ilusão. O conhecimento
externo que acumulamos só faz com que nos afastemos cada vez mais do nosso
verdadeiro conhecimento, do nosso real ser. Nenhum conhecimento externo é capaz
de substituir o autoconhecimento. Só pelo autoconhecimento é que conseguiremos
saciar a fome do nosso espírito. Através do autoconhecimento toda ilusão, toda
escuridão, toda ignorância, toda dualidade e separatividade desaparecem diante
do conhecimento de nossa real existência. Porque passamos a nos perceber como
pertencentes ao Cosmo e o Cosmo pertencente à nós.
Por que então continuamos arrastando nossos
sacos-de-lixo, cheios de velhos pré-conceitos acumulados pela nossa
personalidade, que insiste em nos manter cada vez mais afastados da nossa real
Essência? Por que continuamos carregando lixo, enquanto que podemos estar
repletos de Essência? E se a existência tem nos mantido vivos a cada momento,
é porque deve existir um certo propósito
para isto e a existência está buscando realizar este propósito através de nós.
Somos todos partes integrantes deste grande "Ser", vivemos através
dele e ele vive através de nós. Ao nos libertarmos de nossos sacos-de-lixo
recheados de ilusão, alcançaremos a união com este grande "Ser", com
a nossa Essência e esta união fará de nós seres realmente livres.
autor: Rosana Aranha