quarta-feira, 10 de abril de 2013

"Desapegue-se"


"Desapegue-se"

                Certo dia vi uma mendiga nas ruas, arrastando encurvada, grandes sacos-de-lixo com seus pertences. Mediante a cena pensei: se fossemos ver o que continham nestes sacos-de-lixo, provavelmente não tiraríamos dali nada que se aproveitasse para nós, porém para aquela pessoa, aqueles sacos resumiam todos os seus valores, todas as suas lembranças e as suas necessidades estavam contidas neles. Quantas vezes não agimos da mesma forma que aquela pessoa, como mendigos, nós continuamos arrastando pela vida nossos sacos-de-lixo, recheados de coisas desnecessárias.
                Passamos grande parte de nossas vidas trabalhando exaustivamente para acumularmos recursos, para comprar mais coisas para acumularmos infinitamente. Acumulamos de tudo: roupas, objetos, livros, CDs, carros, casas, cursos, pessoas, conhecimentos ... tudo que é externo à nós. Mas a cada aquisição se segue nova frustração. Porque as coisas externas, os objetos e até mesmo o conhecimento adquirido não capazes de preencher o grande vazio que trazemos dentro de nós. É como se estivéssemos enchendo um saco sem fundo. Quanto mais tentamos enche-lo, mais ele se esvazia. Então nos apressamos tentando enchê-lo cada vez mais rápido, antes de que ele possa se esvaziar e nos desgastamos cada vez mais rápido, numa atitude repetitiva e hipnótica. Quanto mais repetimos, mais necessidade sentimos, a repetição nos hipnotiza. Ficamos escravizados a este ciclo interminável. Este saco sem fundo se chama "desejo". E a natureza do desejo é permanecer insatisfeita.
                Observemos os nossos desejos mais simples, como por exemplo: saciar a fome. A fome é um desejo, quando nos alimentamos, saciamos o desejo, mas apenas temporariamente, para mais tarde o apetite voltar cada vez mais voraz. Quanto mais alimento ingerirmos na intenção de satisfazermos definitivamente a nossa fome, mais faminto ficaremos quando a fome voltar. Quanto mais praticamos a satisfação de nossos desejos, mais longe ficamos da real satisfação.
                Acreditamos que se nos empenharmos em adquirir maiores conhecimentos, nos tornaremos capazes de saciar, não só o nosso desejo, como também o do próximo. Se adquiríssemos todo o conhecimento do mundo, isto não faria de nós seres iluminados, o conhecimento é ilusão. O conhecimento externo que acumulamos só faz com que nos afastemos cada vez mais do nosso verdadeiro conhecimento, do nosso real ser. Nenhum conhecimento externo é capaz de substituir o autoconhecimento. Só pelo autoconhecimento é que conseguiremos saciar a fome do nosso espírito. Através do autoconhecimento toda ilusão, toda escuridão, toda ignorância, toda dualidade e separatividade desaparecem diante do conhecimento de nossa real existência. Porque passamos a nos perceber como pertencentes ao Cosmo e o Cosmo pertencente à nós.
                Por que então continuamos arrastando nossos sacos-de-lixo, cheios de velhos pré-conceitos acumulados pela nossa personalidade, que insiste em nos manter cada vez mais afastados da nossa real Essência? Por que continuamos carregando lixo, enquanto que podemos estar repletos de Essência? E se a existência tem nos mantido vivos a cada momento, é  porque deve existir um certo propósito para isto e a existência está buscando realizar este propósito através de nós. Somos todos partes integrantes deste grande "Ser", vivemos através dele e ele vive através de nós. Ao nos libertarmos de nossos sacos-de-lixo recheados de ilusão, alcançaremos a união com este grande "Ser", com a nossa Essência e esta união fará de nós seres realmente livres.
autor: Rosana Aranha 
data:25/08/2002
fontes bibliográficas: Discurso n° 3 - "Um Convite à Jornada Interior" - Osho. Livros: "Assim dizia o Mestre" - Humberto Rohden - ed. Alvorada; "A Semente de Mostarda" - vol. II - Osho - ed. Cone.